sexta-feira, fevereiro 13, 2004

arrisca

Era uma tarde solarenga, típica de Primavera. Na rua não havia grande movimento. Eram 15h26. A cidade parecia adormecida...
Como era normal ele subiu ao terraço do seu prédio, que ficava no 9º andar. Uma leve brisa varria o topo do mundo! Era
agradável. Ali a vida parecia-lhe mais simples, mais bonita, mais excitante... Lá ao longe via o castelo, o rio, a ponte e um aglomerado de telhados e águas furtadas que pareciam não ter fim. Sentia-se atraido por aquela imagem... bela, pacífica, como a mais bela pintura realizada pelo homem, capaz de emanar cheiros e emoções através das suas cores... queria tocar--lhe sabendo que era inatingivel... vive-la, sabendo que lhe era proíbida... Ali sentia-se seguro e confiante... A vista lá para baixo era imponente. As pessoas eram pequenos pontos e os carros miniaturas frenéticas. Daquele lugar vira e vivera inúmeras histórias, acontecimentos únicos que o fascinavam...

Gostava de imaginar como seria saltar... ser livre e esquecer tudo! Um leve sorriso nascia no seu rosto... Era sempre travado por um sentimento de racionaliade, sobrevivência, vergonha... o que os outros iríam pensar? Aquilo não era correcto... Na sua mente tudo não passava de covardia! Não tinha a coragem de seguir o instinto, viver algo único, não se importar com quem iría limpar a sua decisão, apanhar com os "salpicos", não se importar com a sua família! Tinha todas estas pessoas na sua mente, mas o fascinio pelo desconhecido era enorme e insuportavel. A curiosidade era esmagadora,
brutal, mas a sensatez era o seu travão! Conhecia bem as consequências!

Nos ultimos meses largara a segurança do banquinho que trazia sempre de sua casa, no qual se sentava uns metros afastado da beira. Aproximara-se agora do corrimão debruçando-se perigosamente sobre este... Nunca arriscando mais que uns balanços arrojados e desafios ao destino. Mas hoje era um dia diferente... Sentiu isso ao acordar. Sentiu na sua pele, nos ossos, no cabelo, na cara das pessoas, no som dos seus passos, no sol que lhe acariciava o rosto e na brisa que o apaziguava... O chamamento do abismo era ensurdecedor... Sentia que tinha que viver aquilo, como se já o tivesse feito noutra vida, noutro lugar, como se aquela fosse a unica acção possível, o catalizador que iría trazer ordem para o seu universo e ao mesmo tempo confundir todas as perspectivas, o real e o fictício, o certo e o errado!

Onde muitos víam uma estupidez, falta de controle e egoísmo exacerbados, ele via coragem... nada mais importava, tudo parecia bem... tudo estava correcto! Tinha um encontro com o destino...

Naquela tarde solarenga, típica de Primavera, por volta das 15h27 ele voou e viveu o que lhe foi proíbido...