domingo, fevereiro 08, 2004

Unplugged

Aprendemos a viver em paz. Assumimos que o nosso vizinho nos ama e nos olha com respeito. O acenar amigável que te faz quando vais despejar o lixo, o sorriso amarelo que dispõe quando se cruza contigo nas escadas, o nervoso segurar de porta enquanto espera que entres no vosso degradado prédio sub-urbano. Pensamos que vivemos numa rede de interdepêndencia e que todos somos seus escravos e como tal sorrimos, acenamos, toleramos.
E os que se libertam? Os rasgos de demência podem eventualmente quebrar as amarras de um destes primatas suprimidos e quando isso acontece o betão deixa de ser uma prisão, o asfalto deixa de ser aspero e o vizinho... torna-se o seu joguete. Acabam-se os sorrisos, entraste num mundo paralelo. Nada te impede de o seguir, mexer na sua caixa do correio, riscar o seu carro, envenenar o seu gato. Sabes que te tornaste perigoso mas isso apenas alimenta mais o monstro que cresce nas tuas entranhas... E quando tudo parece mais pequeno, o sabor do sangue torna-se revigorante: a faca com que barras o pão, a chave de fendas com que concertaste a gaveta, o cutelo com que picas a carne - são as tuas ferramentas. No momento seguinte os teus pulsos caucasianos estão algemados e sabes bem para onde vais. Dirão que enlouqueceste, que deitaste tudo a perder, mas tu sabes que quem ganhou foste tu. És livre...